‘Coronavírus é imprevisível, mas pode ser vencido’, diz professor que investigou as epidemias do HIV e ebola


Foto: Leo Martins / Agência O Globo

O virologista Amílcar Tanuri, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é reconhecido internacionalmente por seus trabalhos sobre a genética de vírus.
Combateu a epidemia de HIV, esteve na África em 2014 no auge da pior epidemia de ebola. Foi pioneiro no estudo zika. Investigou H1N1, dengue e chicungunha. Mas o coronavírus Sars-Cov-2 o surpreende. Ele é absolutamente imprevisível, mas pode ser vencido, afirma.
O mundo devia estar mais preparado para uma pandemia?
Sim, deveria haver uma preparação maior. Há anos a ciência e a OMS alertam para essa possibilidade. E os coronavírus de morcegos, como o Sars-CoV-2, estavam na lista dos perigos em potencial. Mas saúde e ciência não frequentavam até agora a lista das prioridades de políticos.
Por que ele surpreende?
Porque os coronavírus conhecidos não se propagavam tão depressa. Esse novo vírus é imprevisível. Ele é chocante porque é muito rápido, se propaga de forma muito eficiente. Não sabemos o tamanho da disseminação em pessoas sem sintomas.
Análise:Como fica a geopolítica na era do coronavírus
Qual a dimensão da propagação?
Ainda não sabemos. Mas esse vírus está muito difundido, muito mesmo. Imagine o quanto de vírus não deve haver em circulação na Itália para que pessoas que foram lá passar poucos dias, viajantes, tenham sido infectadas em número tão grande. O vírus lá está em toda parte e avança pelo mundo.
O que podemos esperar no Brasil e no mundo?
As próximas quatro semanas serão determinantes para o Brasil. Mas há três cenários possíveis.
Quais?
O primeiro e mais provável pode ser o cenário semelhante ao que vimos na China. Ele surge, causa uma explosão de casos e depois a epidemia vai se apagando. Nada impede que ressurja na frente, mas em surtos isolados. O segundo cenário é que vire uma infecção sazonal. Neste momento, acho menos provável. E tem o pior cenário.
Qual é?
Que o país seja afetado por uma pandemia de proporções catastróficas. Não acho provável pelo que observamos na China até este momento. Esse vírus é imprevisível, mais rápido do que se imaginava, mas não vai acabar com o mundo. Poderá matar muita gente, mas não vai nos erradicar.
O que podemos fazer?
Quem tiver qualquer sintoma deve ficar em casa mesmo! Uma pessoa com sintomas vai expelir vírus por até 20 dias. Se ela ficar três quartos desse tempo isolada em casa, sem contato com outras pessoas da família, a gente consegue diminuir em três quartos o tempo de dispersão do vírus na rua. Foi esse tipo de dispersão que fez a epidemia explodir na Itália, as pessoas com sintomas leves ficaram espalhando vírus. E os idosos têm que ficar em casa. Temos que ganhar tempo para se preparar e tentar tirar o fôlego da epidemia. É isso que o Ministério da Saúde e os estados do Rio e São Paulo estão fazendo. E é o correto e o possível.
E o que as autoridades precisam fazer?
O vírus é rápido, temos que tentar ser também. Medidas de contenção mais duras como as que estamos vendo aqui. E decisões mais rápidas no tratamento. Paciente com dificuldade respiratória? Entubar. Isso salvou gente na China e na Itália. Mas nossa capacidade de reação é limitada porque no Brasil temos um SUS em crise, o que já nos atrapalha de saída, torna nossa situação potencialmente mais grave, se muito dinheiro e recursos não forem alocados logo. Mas friso que mesmo os países mais ricos não estão à altura dessa pandemia, não sairão ilesos.
Essa é a maior epidemia em um século. Ela tem arrasado a economia. O que muda no cenário político?
O vírus deu xeque-mate nos governos do mundo. Nunca priorizaram a saúde, ignoraram avisos. Agora, ou cuidam da saúde ou eles, governos, morrem politicamente. Acabou o espaço para políticos acharem qualquer coisa sem embasamento de medicina sem correrem o risco da culpa por mortes na pandemia.
O que o senhor acha das medidas de prevenção no Brasil?
Temos boas medidas. Mas contra elas temos nossas condições socioeconômicas. Por exemplo, as pessoas mais pobres, que dividem cômodos, como farão isolamento domiciliar? Sou um otimista nato, mas quero ver como os planos se desenrolarão na prática.
Teremos uma vacina a tempo de combater o contágio?
Não teremos uma eficiente em breve porque isso demanda testes de segurança que levam mais tempo. Precisamos de uma, mas ela não será para esta pandemia. Porém, precisamos estar preparados para os coronavírus originários de morcegos.
*O Globo


Comentários