Recém-aliado a Bolsonaro, centrão é suspeito de usar cargos para obter propina
Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
conversa com o deputado Arthur Lira (PP-AL) em sessão no plenário
Os deputados federais hoje mais cotados para disputar a presidência da Câmara daqui a nove meses são implicados no escândalo da Lava Jato justamente sob suspeita ou acusação de usar cargos federais ou apoio ao governo para obter vantagem indevida.
O líder do bloco do centrão, Arthur Lira (PP-AL), e o líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), tiveram denúncia recebida pelo Supremo Tribunal Federal. O vice-presidente da Casa, Marcos Pereira (Republicanos-SP), é investigado em um inquérito.
Os três estão entre os principais líderes do centrão e são, atualmente, os nomes mais fortes na corrida sucessória, apesar de haver boa margem para reviravoltas até fevereiro de 2021.
Jair Bolsonaro ofereceu e está distribuindo a esse bloco de partidos cargos de segundo e terceiro escalão em troca de apoio no Congresso. O primeiro, a diretoria-geral do Dnocs (departamento de obras contra a seca), foi entregue nesta quarta (6) ao Avante, em uma intermediação feita por Arthur Lira.
O líder do PP teve ao menos três encontros recentes com Jair Bolsonaro (sem partido) e é o que tem o maior número de anotações na Justiça, nem todas relacionadas à Lava Jato.
O parlamentar, de 50 anos, é filho do ex-senador Benedito de Lira, e está em seu terceiro mandato consecutivo na Câmara, tendo sido vereador nos anos 90 e deputado estadual na década seguinte.
É do tipo de parlamentar que pouco usa o microfone, preferindo os bastidores. E, segundo colegas, tem perfil de embate, mas é cumpridor da palavra empenhada. “Comigo as pessoas têm a garantia que a conversa não mudará no meio do caminho”, afirma Lira.
Em uma das reuniões com Bolsonaro —que já foi filiado ao PP, embora nunca tenha tido atuação orgânica na legenda—, o presidente gravou um vídeo amistoso para a família do parlamentar.
Lira é um dos favoritos a ser o candidato do centrão à sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) —esse também objeto de inquéritos da Lava Jato no STF, que aguardam posição da Procuradoria-Geral da República sobre oferecimento ou não de denúncia.
Um dos problemas judiciais que Arthur Lira enfrenta é da época em que era deputado estadual. Ele foi um dos alvos da Operação Taturana, que apurou desvio de verbas da Assembleia Legislativa de Alagoas por meio de apropriação de salário de servidores e empréstimos na rede bancária pagos com verba de gabinete.
Na esfera criminal, foi denunciado em 2018 pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por peculato e lavagem de dinheiro. Após o STF decidir restringir o foro privilegiado, o caso foi para a Justiça de Alagoas.
Na esfera cível, a Operação Taturana levou o deputado a ser condenado em ações por improbidade, uma delas em segunda instância. O deputado afirma que não foi citado validamente para se defender e que a condenação está com efeito suspensivo.
Os demais casos surgiram quando ele migrou da Assembleia para a Câmara e são todos relacionados à Lava Jato.
Figura em parte desses inquéritos, ao seu lado, o colega de partido Aguinaldo Ribeiro, de temperamento mais conciliador, ex-ministro no governo Dilma Rousseff (PT), e apontado como possível beneficiário do apoio de Maia.
O atual presidente da Câmara, que está no terceiro mandato, tem hoje chances reduzidas de aprovar uma emenda à Constituição para disputar uma quarta temporada.
Os casos que juntam Lira e Aguinaldo, além de outros caciques do PP, são baseados especialmente, mas não só, nas afirmações do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, responsáveis pelas delações premiadas que deram o impulso inicial à Lava Jato.
Em um desses, o Supremo Tribunal Federal acolheu no ano passado denúncia feitas pela PGR. Os dois são acusados de integrar o “quadrilhão do PP, que teria desviado verbas da Petrobras por meio de cargos comandados pela legenda.
Em outro, Lira e Aguinaldo são investigados sob suspeita de recebimento de R$ 1,6 milhão do grupo Queiroz Galvão, em 2011 e 2012, também ao lado de outros políticos do PP.
Isoladamente, Lira é alvo de um terceiro caso, esse também com denúncia acolhida pelo STF, sob acusação de cobrar, em 2012, R$ 106 mil de propina do então presidente da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), Francisco Colombo.
Um assessor de Lira à época, Jaymerson José Gomes de Amorim, foi preso no aeroporto de Congonhas com o dinheiro sob as vestes, incluindo meias, quando passou no raio-x tentando embarcar para Brasília.
Conforme a denúncia, a passagem aérea foi paga com o cartão de crédito de Lira. A Folha localizou o ex-assessor, por telefone, mas após o repórter se identificar, Jaymerson encerrou a ligação.
No memorial da apuração do inquérito do “quadrilhão”, Dodge relembra o fato de que Lira e Aguinaldo, ao lado do hoje presidente do PP, Ciro Nogueira, e do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), desbancaram o então grupo dominante na bancada, formado, entre outros, por João Pizzolatti (SC), Mario Negromonte (BA) e Nelson Meurer (PR), primeiro parlamentar condenado pelo STF na Lava Jato, em maio de 2018.
A procuradora afirma que o novo grupo assumiu para si o controle sobre o esquema, substituindo Youssef pelo operador Henry Hoyer de Carvalho.
As duas denúncias recebidas pelo STF estão em fase de análise de novos recursos. Os parlamentares solicitam, entre outros pontos, que os casos sejam arquivados com base em lei aprovada pelo Congresso em 2019 estabelecendo que o recebimento de denúncias não pode ser embasado exclusivamente em afirmações de delatores.
A nova regra, defendida por quase todos os partidos, foi um dos pontos incluídos pelos parlamentares no pacote de alterações penais elaborado pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, que foi o juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba até 2018.
Em resposta aos recursos no STF, o Ministério Público diz que há várias outras provas, não só em delações. Aguinaldo disse que está recorrendo da aceitação da denúncia e que o outro caso ainda está sem conclusão.
Lira afirma que as denúncias têm por base a delação de Youssef. “A falsidade de suas declarações já foi reconhecida pelo STF, que rejeitou duas denúncias baseadas nos mesmos fatos e identificou inconsistências nos relatos. Como eu respeito as decisões do Judiciário, acredito na justiça e tenho certeza que a minha inocência ficará comprovada.”
Em relação ao caso da CBTU, afirmou que a acusação é fantasiosa e que não tem nenhuma relação com o ato, “fato já confessado pelo assessor”.
No inquérito, Jameyrson afirma ter viajado com dinheiro vivo a São Paulo para comprar um carro de luxo, mesmo estando endividado e não tendo informado isso à esposa, versão considerada completamente inverossímil pelo Ministério Público.
Além do STF, Lira tem pendências com a Justiça do Paraná, ninho da Lava Jato. Em 2016 e 2017 o Ministério Público, a Advocacia-Geral da União e a Petrobras moveram ações de improbidade contra o parlamentar e outros políticos. Uma delas resultou ainda em 2017 em ordem de bloqueio de seus bens no valor de até R$ 7,77 milhões.
Em decisão de 20 de abril deste ano, o juiz federal Friedmann Anderson Wendpap atendeu parcialmente a pedido da Petrobras e determinou o confisco de 10% do salário do parlamentar (que é de R$ 33,7 mil), relatando que, até aquele momento, haviam sido bloqueados “alguns veículos, R$ 496,59 via Bacenjud [canal de interlocução entre a Justiça e as instituições financeiras] e um imóvel”.
Sobre os casos do Paraná, Lira diz que 99% dos investigados pela Lava Jato não tiveram ação proposta. “Esse foi mais um movimento político sem fundamento ou qualquer prova, apenas com o intuito de destruir reputações. ”
Em dois outros inquéritos, em que era investigados sob suspeita de receber propina da UCT e de contratos da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, o Supremo rejeitou a denúncia contra ele sob o argumento, principal, de que as afirmações dos delatores não estavam amparadas em provas.
No ano passado, o senador Cid Gomes (PTD-CE) chegou a se referir a Lira como “achacador” e “projeto do futuro Eduardo Cunha”, em referência ao ex-presidente da Câmara, hoje preso em decorrência da Lava Jato. “A minha relação com o Eduardo Cunha foi a mesma que outros parlamentares estabeleceram com ele no Congresso”, afirma Lira.
Já Marcos Pereira foi apontado na delação da Odebrecht como receptor de R$ 7 milhões de dinheiro desviado da Petrobras em troca do apoio do PRB (hoje Republicanos) à campanha à reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. O inquérito foi remetido no ano passado para a Justiça de São Paulo.
“Não repondo e nunca respondi a nenhuma ação cível ou criminal, seja decorrente de minha atividade pública, seja da minha vida privada. Existe inquérito policial para apurar os supostos fatos narrados na delação mencionada. Tenho absoluta confiança que ao final será reconhecida a minha inocência”, afirmou o parlamentar.
Folha de S. Paulo
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