Pressão por gastos põe em risco teto, dívida pública, inflação e juro baixo

Ilustrativa


Os gastos extraordinários e a necessidade de ampliar a rede de proteção social no pós-pandemia da Covid-19 podem tornar inevitável o aumento da carga tributária, mesmo que temporário, para evitar que a dívida pública saia do controle, demolindo o atual cenário de inflação e juros baixos no Brasil.
Segundo especialistas, diante da pressão por novas despesas, o país deveria concentrar-se em duas frentes: 1) evitar que a dívida pública dispare novamente; e 2) respeitar o teto de gastos do setor público, mecanismo aprovado em 2016 que limita a despesa ao orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação.
Sem essas premissas, o temor é que o país perca a atual janela de oportunidade de juros e inflação baixos —e de enorme liquidez internacional— para recolocar as contas públicas em uma trajetória de equilíbrio.
Neste ano, o endividamento bruto brasileiro dará um salto de 20 pontos percentuais, chegando a quase 96% em relação ao tamanho do PIB (Produto Interno Bruto).
Mesmo se o teto de gastos puder ser cumprido, a dívida pública encostará em 100% do PIB nos próximos anos, deixando para trás a expectativa de queda que havia até o início da pandemia.
Praticamente todas as economias terminarão 2020 mais endividadas, entre 15 e 25 pontos, elevando a chamada relação dívida/PIB —o principal indicador de solvência de um país.
O Brasil tem, disparado, o maior endividamento entre os emergentes, assim como uma das maiores cargas tributárias, equivalente a 33% do PIB. Mas também é um dos poucos países em desenvolvimento com sistemas universais de saúde e educação, que justificariam uma dose maior de tributos.
Nos Estados Unidos e em alguns países europeus, a relação entre dívida e PIB já supera 100%. Mas como eles são países de renda elevada e têm moedas (dólar e euro) consideradas reserva de valor, conseguem financiar o endividamento sem maiores dificuldades.
O Tesouro dos EUA, por exemplo, emite títulos com prazo de vencimento de dez anos para financiar a dívida federal pagando juros entre 0,5% e 0,7% ao ano. Na Europa, a taxa na Alemanha e na França chega a ser negativa: em troca de segurança, investidores perdem dinheiro aplicando nesses papéis.
No Brasil, no entanto, o Tesouro é obrigado a pagar juros de até 7,2% ao ano para convencer investidores a financiarem o governo —e a pressão por juros maiores tende a crescer quanto mais endividado estiver o setor público.
“É óbvio que uma relação dívida PIB de 96% é ruim. Mas trata-se de uma situação excepcional em todo o mundo. O principal neste momento é garantir que a dívida não sairá do controle, e para isso o teto de gastos é fundamental no sentido de ancorar as expectativas”, afirma o economista da PUC-Rio José Márcio Camargo.
Essa “ancoragem” de expectativas seria responsável, por exemplo, por manter a taxa de juro básica no Brasil em seu menor patamar (apesar da dívida em alta) e o chamado risco-país em um nível também historicamente baixo.

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