Queiroz (à dir.) é ex-motorista e ex-segurança do hoje senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente |
Em mais uma reviravolta do caso, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes decidiu nesta sexta-feira (14/08) conceder prisão domiciliar para Fabricio Queiroz, amigo do presidente Jair Bolsonaro e ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro.
Tanto a defesa do primogênito do presidente quanto a de seu ex-assessor contestaram em todas as instâncias judiciais diversos pontos da investigação que apura suspeitas de um esquema criminoso de “rachadinha” gerido por Queiroz no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa fluminense. Ambas negam irregularidades.
Desta vez, Gilmar decidiu temporariamente não manter Queiroz preso em uma cela, no capítulo mais recente de um imbróglio que se arrasta desde junho, quando o ex-assessor foi preso vivendo escondido em um sítio de um advogado da família Bolsonaro, em Atibaia (SP).
A concessão do habeas corpus pelo ministro do STF suspendeu, por ora, os efeitos de uma decisão do ministro Superior Tribunal de Justiça (STJ) Felix Fischer. Este havia decidido que o ex-assessor dos Bolsonaros deveria voltar para o presídio, e não ficar em prisão domiciliar, como foi concedido a Queiroz durante um plantão judicial.
Para Fischer, Queiroz e a mulher “supostamente já articulavam e trabalhavam arduamente, em todas as frentes, para impedir a produção de provas e/ou realizar a adulteração/destruição destas”.
A decisão de Gilmar acerca da prisão domiciliar também vale para a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, que esteve foragida da Justiça até o benefício da prisão domiciliar e também iria para uma cela.
Quatro pontos da decisão de Gilmar
Ao ser apresentado no STF, o habeas corpus que tenta derrubar totalmente a prisão preventiva de Queiroz e sua mulher foi direcionado “por prevenção” ao ministro Gilmar Mendes, já que ele foi sorteado anteriormente para julgar outros recursos relacionados à mesma investigação, a exemplo do processo sobre compartilhamento de dados financeiros do Coaf sem aval judicial prévio.
O casal é suspeito de participar de um esquema de desvio de recursos do antigo gabinete de deputado estadual de Flávio Bolsonaro. Queiroz havia sido preso em 18 de junho por determinação do juiz Flavio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que viu indícios suficientes de que ambos estavam agindo para atrapalhar as investigações. Sua mulher, no entanto, estava foragida.
A defesa do casal alegou diversos pontos em seus pedidos de revogação da prisão preventiva. Entre eles, a garantia da liberdade até condenação em segunda instância, a falta de comprovações de eles tenham atrapalhado as investigações ou faltado a depoimentos marcados, os riscos à saúde de Queiroz em meio à pandemia de covid-19 e a necessidade de prendê-los agora se os episódios investigados ocorreram há meses ou anos.
No STJ, o presidente do tribunal, João Otávio de Noronha, aceitou em um plantão judicial o argumento de que Queiroz deveria cumprir sua prisão preventiva em casa por estar em tratamento de câncer, com a companhia da mulher. Esta decisão foi derrubada por Fischer.
No STF, a prisão domiciliar voltou a valer a partir de decisão de Gilmar Mendes. Em seu despacho, o ministro afirma que trata apenas da prisão preventiva, e não dos méritos da investigação.
Gilmar refuta o pedido do Ministério Público de detenção do casal, feito em junho de 2020 ao juiz de primeira instância Flavio Itabaiana, baseado em diálogos apontados como provas de que os réus tentaram atrapalhar as investigações.
Para o ministro do STF, há um “considerável lapso temporal ocorrido entre os supostos diálogos (concentrados nos anos de 2018 e de 2019) e a decretação da prisão preventiva do paciente em junho de 2020”. Ainda segundo ele, “fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de inocência”.
Gilmar também contesta outros argumentos em defesa da prisão preventiva do casal.
Primeiro, que Queiroz teria influência sobre políticos e milicianos do Rio de Janeiro e poderia ameaçar testemunhas e outros investigados. Para Gilmar, os diálogos apresentados para fundamentar essa tese são conjecturas e não indicam como eventual influência política do paciente poderia interferir nas investigações deste processo e nem sobre que políticos ele influenciaria.
“Não há qualquer elemento indiciário nos autos que permita relacionar a suposta influência sobre milicianos do Rio de Janeiro e a sua influência política com tentativas reais de obstrução das investigações.”
Segundo, Gilmar argumenta que mesmo que acusações feitas contra os réus sejam da mais alta gravidade, a prisão preventiva só deve ser adotada como última alternativa para os casos mais graves. Para o ministro do STF, seriam suficientes e adequadas para Queiroz e a mulher medidas como prisão domiciliar, tornozeleira eletrônica e proibição de sair do país e de ter contato com outros investigados.
Por fim, Gilmar aborda os riscos à saúde de Queiroz, em meio ao tratamento contra câncer e acompanhamento do quadro frágil. O ministro do STF afirma que em “um cenário de pandemia mundial que atingiu de forma significativamente grave o Brasil, o Estado deve adotar uma postura proativa para impedir a ocorrência de danos à vida e à saúde de sua população”. Assim, diante da “fragilidade da saúde” de Queiroz, é adequada a prisão domiciliar também por esse motivo.
Tanto Gilmar quanto Noronha, presidente do STJ, aceitaram o argumento dos riscos à saúde de Queiroz por causa da pandemia seguindo recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para concessão de prisão domiciliar a presos em grupo de risco.
Mas a concessão de habeas corpus por causa de riscos em torno da pandemia de covid-19 raramente são adotados no STF e no STJ. A medida de Noronha, aliás, alimentou críticas de que ele teria agido para agradar o presidente Jair Bolsonaro — visando uma indicação para o Supremo em novembro, quando o ministro Celso de Mello se aposenta.
Um painel no site do STF com estatísticas sobre as decisões da Corte relacionadas ao coronavírus indica que a maioria dos habeas corpus com esse argumento tem sido recusada.
O mesmo ocorre no STJ. Levantamento da BBC News Brasil por meio da ferramenta de buscas por jurisprudência da Corte mostrou que houve 115 decisões da Quinta Turma do tribunal no primeiro semestre envolvendo pedidos de liberdade, de prisão domiciliar ou de progressão de pena que citavam os riscos de contágio por covid-19 como argumento. A grande maioria desses pedidos (112 ou 97,4% do total) foi recusada, e apenas 3 foram concedidos.
Quais são as acusações contra Queiroz e a família Bolsonaro?
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) investiga Flávio Bolsonaro, Queiroz e outros ex-funcionários do antigo gabinete de deputado estadual do filho mais velho do presidente por um suposto esquema de rachadinha (devolução de parte dos salários dos assessores parlamentares para os políticos).
Queiroz nega as acusações e diz que recolhia parte dos salários para conseguir contratar mais pessoas para atuar pelo mandato de Flávio no Estado do Rio de Janeiro. Já o hoje senador afirma que não tinha conhecimento do que seu ex-assessor fazia e nega ter sido beneficiado pelo esquema.
Em um dos mais recentes desdobramentos do caso, foi revelado que a mulher do presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, recebeu 27 depósitos de Queiroz e sua mulher que totalizam R$ 89 mil, entre 2011 e 2016.
A informação veio da quebra de sigilo fiscal e bancário do casal, autorizada pela Justiça.
Segundo reportagem da revista Crusoé de sexta-feira (07/08), a quebra de sigilo mostrou que Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2016, somando R$ 72 mil. O jornal Folha de S.Paulo e o portal G1, por sua vez, descobriram também que a abertura das informações bancárias de Marcia Aguiar revelou mais seis cheques depositados por ela para a primeira-dama entre janeiro e junho de 2011, no valor total de R$ 17 mil.
Antes da quebra de sigilo do casal, sabia-se que Michelle tinha recebido R$ 24 mil de Queiroz. As novas informações contrariam versão do presidente sobre essa operação — Bolsonaro havia dito que o valor foi depositado para sua mulher como pagamento por um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a Queiroz. No entanto, a abertura dos dados bancários do amigo do presidente não mostram o recebimento desse empréstimo, segundo os veículos da imprensa que tiveram acesso à quebra de sigilo.
Até a manhã de sábado (15/08) o presidente e a primeira-dama não apresentaram qualquer esclarecimento sobre as novas informações sobre os depósitos.
A apuração do MP-RJ indica que Queiroz seria o operador do esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro e aponta que ele teria feito até 2018 diversos pagamentos em dinheiro vivo de contas do então deputado estadual, como boletos de plano de saúde da família e mensalidades escolares de suas duas filhas. Em entrevista ao jornal O Globo publicada na semana passada (05/08), Flávio reconheceu pela primeira vez que Queiroz pagava contas suas, mas negou ilegalidades.
“Pode ser que, por ventura eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?”, justificou o senador.
Outro desdobramento recente da investigação envolve a franquia de loja de chocolates Kopenhagen da qual Flávio é sócio em um shopping do Rio de Janeiro. Segundo o Ministério Público, a empresa serve para lavar o dinheiro que Flávio Bolsonaro recebia do esquema de rachadinha, algo que o parlamentar nega.
Reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, teve acesso ao depoimento do empresário que vendeu a loja para o então deputado estadual e um sócio do político. Essa testemunha, que depois desistiu de seguir com a denúncia por ter sido ameaçado, afirmou a investigadores que a franquia fraudava notas fiscais ao vender produtos com desconto, mas registrando valores cheios. A Kopenhagen confirmou a denúncia e afirmou que os franqueados foram punidos. Flávio e seu sócio não comentaram a acusação.
Ao término da investigação, Queiroz e Flávio podem vir a ser denunciados pelos crimes de peculato (desvio de recurso público), lavagem de dinheiro e organização criminosa. No momento, porém, o caso está em suspenso à espera de uma definição do Supremo Tribunal Federal STF sobre se Flávio tem ou não direito a foro privilegiado.
Inicialmente, a investigação contra o hoje senador correu na primeira instância da Justiça do Rio, já que o STF decidiu em 2018 restringir o foro privilegiado aos casos de crimes relacionados com o exercício do atual mandato político da pessoa investigada. Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu em junho que o hoje senador teria direito nesta investigação ao foro de deputado estadual, levando o caso para a segunda instância judicial.
O Ministério Público, então, recorreu da decisão do TJ-RJ ao STF e o caso está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Ele aguarda a manifestação da PGR sobre o recurso para pautar seu julgamento na Segunda Turma do Supremo. Decisões anteriores do STF sobre foro privilegiado indicam que a Corte deve derrubar a decisão do TJ-RJ e retornar o caso para a primeira instância, abrindo caminho para uma denúncia do MP contra Queiroz e Flávio Bolsonaro.
Fonte: Agora RN
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