Clínicas privadas esperam vacina em abril, mas processo é longo e incerto

 

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No auge da primeira onda da pandemia de covid-19 no Brasil, Geraldo Barbosa, presidente da ABCVAC (Associação Brasileira das Clínicas de Vacina), estava pessimista sobre a participação das clínicas privadas na imunização contra a nova doença. “Eu tinha certeza que não haveria vacina disponível em 2021”, diz Barbosa.

O estado de espírito mudou quando, em novembro, o laboratório indiano Bharat Biotech mostrou que estava aberto a comercializar doses da vacina que está desenvolvendo, a Covaxin, para a iniciativa privada. “Foi o único. E tentamos com todos”, diz o presidente da ABCVAC.

No dia 12 de janeiro, a associação anunciou um acordo para compra de 5 milhões de doses. A notícia foi suficiente para clientes passarem a ligar para as clínicas em busca de informações. Uma rede presente em seis estados brasileiros, chegou a enviar, na quarta-feira passada (27), comunicado aos clientes alertando que a empresa não realiza “cadastros, lista de espera ou reserva para a vacinação contra a covid-19”. Na nota, a rede assume que há a intenção de compra, porém sem garantia de concretização.

Barbosa trabalha com a expectativa otimista de que o imunizante poderia estar disponível nas clínicas privadas brasileiras em abril. No entanto, a realidade pode ser mais complexa, dado o cenário atual de faltas de vacinas no Brasil e no mundo.

Cronograma acelerado

Ainda em fase de testes, a Covaxin já teve o uso emergencial liberado na Índia e é administrada em duas doses, com intervalo de quatro semanas entre elas —a quantidade negociada pela associação deve imunizar 2,5 milhões de pessoas.

A expectativa da ABCVAC gira em torno do cronograma da Bharat de envio a Anvisa (Agência Nacional de Vigilânia Sanitária), até 25 de fevereiro, dos resultados da fase 3 da Covaxin, que ainda está em andamento com 26 mil voluntários na Índia. Daí, seriam mais 60 dias para análise da documentação.

Para aplicação na rede particular, a vacina deve receber registro definitivo da Anvisa —a CoronaVac e a vacina Oxford/AstraZeneca, ambas já em uso no Brasil, receberam aprovação para uso emergencial. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) entrou na sexta-feira (29) com o pedido de registro definitivo da Oxford/AstraZeneca e a Anvisa tem 60 dias para responder.

Ainda é necessário passar pela CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), órgão interministerial responsável pela precificação de medicamentos no Brasil.

Barbosa, da ABCVAC, admite que normalmente esse processo não leva menos que seis meses.

Mesmo com a urgência da pandemia, o percurso é longo e lento. A Pifzer, que migrou do processo de aprovação emergencial para definitivo no fim de dezembro, segue sem aprovação de seu imunizante, que já está em uso em diversos países.

Previsão menos otimista

Quem tem experiência com vacinação no Brasil não compartilha do otimismo das clínicas privadas. “Não acho que seja factível esses laboratórios que nem sequer terminaram a fase 3 [terem a vacina liberada rapidamente]. Se acontecer, é no segundo semestre ou ano que vem”, afirma a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI (Programa Nacional de Imunização) do Ministério da Saúde por oito anos.

Domingues vê uma única condição para a Anvisa aprovar com pressa o produto da Bharat: “A não ser que entremos numa calamidade pública gigantesca, aí vamos ter que rever processos. Mas no cenário atual isso não está posto à mesa.”

Para piorar, o clima mudou depois que o anúncio da compra pelas clínicas privadas foi atropelado pela repercussão negativa da articulação de empresários brasileiros para aquisição de 33 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca/Oxford.

Grandes fabricantes, como AstraZeneca e Pfizer, correram para emitir notas negando que estivessem negociando com a iniciativa privada e que o foco são os governos. Esses laboratórios sofrem pressão nos EUA e na União Europeia por atrasarem a entrega de doses para os governos dos países.

A ABCVAC também soltou nota, mas reforçando que a iniciativa das clínicas não tem paralelo com a dos empresários e lembrando que “a legislação vigente permite que apenas estabelecimentos de saúde —clínicas de vacinação privadas, hospitais e farmácias— podem realizar a atividade de vacinação”.

Imunizante conflitante

Mas Barbosa concorda que a iniciativa do empresariado tinha um “imunizante conflitante”, por se tratar de uma vacina (AstraZeneca/Oxford) que o governo encomendou e está com dificuldade de receber.

Segundo a ABCVAC, esse conflito não existiria com a Covaxin, pois “a Bharat está separando a produção para o setor privado e para os governos”. No entanto, no final de dezembro —mais de um mês depois de as clínicas iniciarem conversa com a Bharat— a fabricante entrou na lista de cotadas pelo Ministério da Saúde para aquisição de vacinas para o PNI.

O UOL consultou a pasta para saber como estão as tratativas do governo com o laboratório indiano e se haveria algum conflito com a iniciativa privada, mas não obteve resposta.

Sobre um eventual conflito ético a respeito da vacina estar disponível para pessoas com renda e faltando para quem depende do SUS (Sistema Único de Saúde), Barbosa vê dois cenários.

“Se o governo federal conseguir cumprir o que ele propôs [promover a imunização da população], eu não vejo conflito ético algum, pois as clínicas privadas vão somar esforços. Agora, vamos supor que chegue abril e o governo não tenha imunizante, aí realmente eu acho que a gente teria uma situação em que nós [clínicas privadas] seríamos mais julgados pela falha do governo do que pela nossa eficiência”, Geraldo Barbosa, presidente da ABCVAC

Ele afirma que as clínicas não estão “disputando com o governo”, mas “apenas fazendo as tratativas, como sempre fizemos”.

Sobre o valor do imunizante, Barbosa diz que “é natural” que seja mais alto para clínicas privadas. “O preço ofertado ao mercado privado é mais alto por uma questão de responsabilidade social da indústria farmacêutica”, afirma. A conta inclui tributos, seguro e outros itens. Ele não falou, entretanto, em estimativa de preço ao consumidor.

A ex-coordenadora do PNI não vê conflito na negociação caso o governo não opte pela Covaxin. “Se você tem um laboratório que não tem nenhuma negociação com o governo federal e ele não pretende fazer, então, por que não termos mais vacina no Brasil? O que precisamos nesse momento é ter o maior número de pessoas vacinadas.”

Ela defende que a rede privada de vacinação —responsável por 10% das vacinas aplicadas no país— tem papel importante no sucesso da imunização do pais.

“O sistema privado sempre foi complementar ao PNI. Então, por que nesse momento de pandemia não vamos querer esse apoio? Até porque eu não estou vendo nenhum movimento do governo em buscar outros parceiros. Eles só queriam comprar a vacina da AstraZeneca. Compraram a da CoronaVac pois foram pressionados”, Carla Domingues, epidemiologista e coordenadora do PNI de 2011 a 2019

UOL


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